... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso,
da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades,
de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...


Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano IV Número 43 - Julho 2012

TUDA

My photo
Revista de Poesia, Literatura & Artes, desde Janeiro de 2009.

Editorial

René Magritte - Les Jours Gigantesques, 1928. Oil on canvas
poesia cadela dialética
palavra que fala silêncio
fala que cala cética etc

(Souzalopes)
Salve, Salve!

Uma palavrinha do editor:
A todos aqueles que vêm traçando palavras de elogio à TUDA! É muito gratificante ver que o trabalho vem agradando um certo público... Agradeço. Queria dizer isso aqui, pois fica inviável responder a todos pessoalmente, já que nem tempo tenho para lançar a revista em dia! Mas vamos resistindo! Muito obrigado a todos!
Ainda TUDA! Persistindo e sobrevivendo também neste Julho, sétimo mês deste ano de 2012 - e vem com tudo TUDA, que aborda o tema da dualidade de quem escreve ou já escreveu numa língua não-materna. Seja por gosto, prazer, necessidade ou imposição, os desafios e sentimentos de escrever em outro idioma mexem com o pensamento do poeta/escritor.

A inspiração para o tema busquei no irlandês Yeats, cuja carreira é cheia de conflitos de consciência. Numa de suas reflexões, Yeats diz que "... devo minha alma a Shakespeare, Spenser e Blake, talvez para William Morris, e ao idioma inglês, através do qual eu penso, falo e escrevo. Tudo que eu amo me vem através do inglês, o meu ódio me tortura com amor, meu amor, com ódio." (*)

É aparente sua decepção de não se expressar em irlandês. Depois da derrota na Batalha de Kinsale (1603), o idioma irlandês foi renegado ao passado, e foi condenado, ali, a viver apenas das histórias contadas em poemas bárdicos de sátira e louvor. Em Ideas of Good and Evil, Yeats, de pé do lado de Sliab Echtge, uma cadeia de montanhas no Oeste da Irlanda, que atravessa os condados de Galway e Clare, reflete sobre a poética da vida: "Pudesse ainda alguém, com o talento necessário e nascido irlandês, escrever peças de teatro e poemas épicos como os da Grécia. Não requer a grande poesia um povo para ouvi-la?" (*)

Ciente de que nunca faria um grande poema numa "segunda língua", voltou-se para si e continuou no cultivo do inglês. E embora alguns puristas e apaixonados ainda tentem (re)viver o irlandês, dificilmente será uma língua vernácula novamente! O povo deixou-se não-ser... é a constatação de um limite histórico!

É isso, companheiros. Na suja LabUTA do cotidiano, que embora seja mais leve para uns que para outros, no final das contas, acabarão todos sete palmos debaixo da terra - ou six feet under, como se diz por aqui... e lá, camaradinha, ninguém é melhor que o outro não... todo mundo apodrece igual, fede igual e desintegra igual... o que resta de um é o mesmo que resta do outro, ou seja, o que nem os vermes comeram! Fora uma memória ou outra, tudo não passará de imagens na mente das pessoas, nos álbuns de fotografias, e quem sabe num jornalzinho, numa revistinha ou num livreco qualquer... E só. Finito mundo finito! Mais do que isso ou é fé ou é suposição!

TUDA work-in-progress...
source: darkroastedblend

Seja como flor,
'braço forte!

Asyno Eduardo Miranda
o (auto-proclamado) editor
deste porto seguro da jlha do Eire
oje, sexª feira, sexº dia do setº mez d este Anno Domini de MMXII


(*) Livremente traduzido pelo editor...

Dívida Interna

Torture, by Ramona Deininger

Editor
Eduardo Miranda

Capa
José Geraldo de Barros Martins

Digitação
Eduardo Miranda

Revisão
Sendo este projeto "às próprias custas", a revisão fica ao critério dos autores.

Participam desta edição:
Anastasios Gionis, Andreas Zielenkiewicz, Andrzej Troc, Arnaldo Xavier, Carla Andrade, Caspar David Friedrich, Cesar Cruz, Christine Poulin, Dorival Fontana, Edson Bueno de Camargo, Eduardo Miranda, Eugene Soloviev, Hamilton Faria, Janet Butler, Joan Miró, José Geraldo de Barros Martins, José Miranda Filho, Lu Xinjian, Mandy O'Brien, Marina Alexiou, Pedro Du Bois, Ramona Deininger, René Magritte, Ronald Augusto, Ruy Espinheira Filho, Santiago de Novais, Scott Scheidly, Souzalopes, Torquato Neto, Tracy Wall, Vagner Barbosa, Van Gogh, Vitaly S Alexius e W. B. Yeats.

E-mailtuda.papel.eletronico@gmail.com

Poesia - Arnaldo Xavier

Xangô

(...)

17
Rei acéfalo
e maneta
de cetro e coroa

18
A dor
Nada
Adorna

19
A cada
pássaro:
Um abismo

20
Fl*r
)Sol(
Deusproporcional

(...)

Poesia - Souzalopes


Nota do autor: Escrito por Marx e Engels entre dezembro de 1847 e janeiro de 1848, o Manifesto do partido comunista é o grande “eco épico” da humanidade, desde a segunda metade do distante século XIX. Estranho épico, n/ao vazado em poesia (como a Ilíada), nem em prosa de ficção (como Grandes Sertões: Veredas), nem em prosa jornalística (Como Os Sertões), mas na letra de manifesto político, didaticamente propagandeiro da revolução. E é o chamamento à revolução que dá ao Manifesto de Marx e Engels esse vibrante “eco épico” que repercute para sempre. Graciliano Ramos, diz a anedota, reclamava que o comunismo “não pegava” no Brasil por causa das traduções empoladas no Manifesto. Dizia que, em vez de “Proletários do mundo inteiro, uni-vos!”, devia ser: “Minha gente, se ajunte!”. Nesta versão anônima – composta em sextilhas de sete sílaba (redondilha maior), o metro mais utilizado na poesia popular do Nordeste ( também chamada “cordel”) - , teve-se em conta a lição de Graciliano. Apesar da quase impossibilidade de transmutação de prosa e poesia, espera o autor ter cometido simples tentativa, longe do hediondo atentado. Consultou-se basicamente a 5ª edição, da Editorial Vitória ( Rio de janeiro – GB, 1963), tradução anônima, “cotejada com a última edição em espanhol da Obras Escolhidas de Marx e Engels (Moscou, 1962) que foi traduzida da edição russa preparada pelo Instituto de Marxismo Leninismo anexo AP Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética”.

Manifesto do Partido Comunista
em cordel
Anônimo de Souza
1 – Burguesia e Proletário

O mundo inteiro se assombra
Com o tal do comunismo.
O papa e os poderes
Querem fazer exorcismo:
Dizem que é coisa do cão
Querer o socialismo.


Quem fala mal do governo
De comunista é chamado
Porque o comunismo vive
Até contra a lei do Estado,
Por que só o comunismo
Nos pode dar resultado.


Toda história deste mundo
Foi rico matando pobre,
Foi plebeu escravizado
Por toda família nobre:
Nossa vida vale menos
Que uma moeda de cobre.


Aqueles servos feudais
Se fizeram burguesia,
Navegaram nas Américas
N’África e n’Oceania,
Tomaram o lugar dos reis,
Mas mantendo a tirania.


Luta de classe não é
Uma invenção de ninguém:
É o motor da história
Movendo a vida que vem,
Do jeito que o vento sopra
Por mim, você e alguém.


O vapor e a maquinaria,
Tomaram o lugar da mão
Do homem que trabalhava
Para ganhar o seu pão.
E a máquina vale mais
Do que meu amigo João.


Daí veio a nova praga:
A conquista do mercado.
Foi assim que eles mataram
O negro escravizado;
Foi assim que construíram
Seu “mundo civilizado”.


A burguesia criou
O mercado mundial.
Isso que hoje se chama
“Civilização Global”
É cria da burguesia
Que se fez industrial.


A vida que hoje vivemos
Vem de processo bem lento.
Os reis caíram do trono
Quando soprou novo vento.
E o sol da burguesia
Tomou todo o firmamento.


Foi mesmo revolução
Que fez a nova classe.
Mas é eterna verdade
Que morre tudo que nasce –
Morrerá a burguesia
Chegando quem a ultrapasse.


Naquelas águas geladas
Onde vive o egoísmo
A burguesia afogou
Toda beleza e lirismo,
E tudo virou comércio
Medido por algarismo.


A própria religião
Nunca mais teve profeta,
Até mesmo a medicina
Só tem a moeda por meta.
Dinheiro tudo compra
E corrompe até poeta.


Adeus luares de maio,
Adeus tranças de Maria,
Nunca mais a inocência,
Nunca mais a alegria,
Adeus a vida do campo
Que hoje é só nostalgia.


Acabou-se o que era doce,
Foi-se o mundo camponês.
Desgraçou-se tudo aquilo,
Afundou-se duma vez:
Homem perante a maquina
E como gado, só rês.


A burguesia só vive
Ampliando a produção.
Assim vai determinando
Aquilo que os homens são.
As relações sociais
São contadas em cifrão.


Tudo aquilo que foi sólido
É hoje fumaça no ar.
Aquilo que foi sagrado
Hoje está no lupanar.
Por isso que precisamos
Garantir nosso lugar.


A burguesia que veio
Fez acabar as nações.
Não há espaço pros homens,
Não batem seus corações.
Tudo que existe é mercado
Guardado por legiões.


Foi assim que a burguesia
Centralizou a política.
Toda relação humana
Tornou-se fraca e raquítica,
E a nossa classe aleijada
Se arrasta paralítica.


A burguesia derruba
Qualquer país atrasado,
Até a muralha da China
Tem o alicerce abalado.
Saquear, depois vender,
E a lei do seu mercado.


Todo aquele que já fez
Ou macumba ou bruxaria
+sabe que tudo o que faz
Volta-se contra outro dia:
Assim se prepara a corda
Da forca da burguesia.


Quem leva o burguês pra forca
E o novo trabalhador,
Seja ele da mecânica
Ou do tal computador.
A burguesia bem sabe:
Servo vence o senhor.


Preço do teu trabalho
Também é mercadoria:
Seu trabalho vale merda,
Só enriquece a burguesia.
Seu filho morre de fome,
Você não tem garantia.


A oficina pequena
Onde um mestre ensinava
Seu ofício ao aprendiz
Que com ele praticava
Já perdeu toda a função:
A mão de obra é escrava.


Quem labuta por salário,
Vai lambendo sal azedo.
Não vende nem seu trabalho,
Porque este causa medo.
Vende a força do trabalho,
Que se transforma em degredo.


O produto fabricado
Vale mais que o ser humano
Que sofreu para fazê-lo
Passando por todo engano
Daquele patrão que o explora
Porque este é o seu plano.


O pobre trabalhador
Sofre na mão do patrão
E continua sofrendo
Se faz compra a prestação.
E ainda paga aluguel
Bem caro ao senhor ladrão.


Por isso o trabalhador
Ao nascer já vai pra luta.
Enfrenta a fera burguesa,
Faz azedar sua fruta.
Pra quem vive do trabalho,
Burguês é filho da puta.


No começo é um por um,
E depois somos milhões.
Trabalhador consciente
Se liberta dos patrões,
Em busca da nova ordem,
Nós formamos multidões.


Aquele que era só um
Naquela fábrica medonha,
São muitos do mesmo ramo,
O que um pensa, o outro sonha.
Assim luta quem trabalha
E não quer passar vergonha.


Toda essa massa de gente
Como cabrito na serra
Não se uniu por acaso,
Mas por estar numa guerra.
Resistindo à burguesia
Nos unimos nesta terra..


A burguesia querendo
Derrotar seus inimigos,
Já nos manda ir pra guerra
Como todos os seus perigos.
Morremos levando chumbo
E eles se tornam amigos.


Mesmo assim vamos crescendo,
Mesmo assim a classe aumenta.
Nós somos o sal da terra,
Somos feijão com pimenta,
Somos o saber da vida
E o sabor que alimenta.


Todos nós somos iguais
No salário tão mesquinho.
Vivemos a pão e água,
Mas produzimos bom vinho.
Os burgueses passarão –
Nós, um dia, passarinho’.


Nosso triunfo é pequeno
E não dura quase nada.
Mas se ainda não venci,
Vou formando um camarada,
Que continua a batalha
E vai seguindo na estrada.


Nossa união como classe,
Ou seja, como partido,
Nós mesmo prejudicamos
Quando eu brigo contigo.
Por isso, lutemos juntos,
Eu e você, meu amigo.


Aquelas brigas estúpidas
Da velha sociedade
Nos fazem tomar consciência
De toda sua maldade:
Burguês mata aristocrata,
Nós queremos igualdade.


Toda vez que um burguês
Pretende alguém derrotar,
Nos chama como soldados
E manda nos ensinar.
Nós, sabidos, aprendemos
A arte de nosso lutar.


Hoje são trabalhadores,
Alguns que foram patrões
Ou têm medo de se ver
Na miséria dos peões.
E nossa classe se educa
Vendo tais contradições.


E quando na luta de classes
Vai chegando o “agá” de hora,
A velha sociedade
Se caga, se mija e implora.
Vem puxar o nosso saco,
Porque nossa classe vigora.


A chamada classe média
Nunca fez revolução.
Tem bronca da burguesia,
Mas tem medo do patrão,
Falando em linguagem clara:
O classe média é bundão.


Aquele pobre perdido,
Que se vê feito farrapo,
Não serve para muita coisa,
Mesmo por que virou trapo.
Lambe os pés da burguesia,
Come até cocô de gato.


Por isso que não podemos
Contar com nenhum dos dois:
Nem com o pobre corrompido
Nem com aqueles que depois
Vai querendo nos mastigar
Como quem mastiga arroz.


O trabalhador que pensa
Não obedece ao patrão.
Sua mente não aceita
Essa tal situação:
Não aceitas os burgueses
Lei, moral ou religião.


Os trabalhadores podem
Fazer o mundo mudar.
Aquilo que é de um só
Para todos tem que dar.
Propriedade privada
No mundo tem que acabar.


Por isso devemos ter
Nossa mente sempre alerta.
Nós devemos destruir
A garantia tão certa
Do edifício burguês
E deixar a porta aberta.


Somente assim nós teremos
Justiça e paz pela terra.
Não como a justiça deles
Nem sua paz, que é guerra.
Teremos vida de gente
Cujo sonho não se enterra.


Não travemos mais luta
De país contra país,
Embora seja preciso
Afirmarmos a raiz,
E lutar pela nação,
Por um tempo mais feliz.


É mesmo guerra civil
No seio do nosso mundo.
Guerra suja, escondida,
Pedra que desce ao fundo.
Mas nós nascemos sem medo,
Sem medo estamos no mundo.


O servo entrou na comuna.
Mesmo sob a servidão
E o pequeno burguês
Se fez burguês, fez nação.
Mesmo sob o feudalismo
Que o mantinha na opressão.


Já o trabalhador de hoje
Tem cada vez mais miséria.
Mas o burguês que o explora
Não acha que a coisa é séria.
“O mais fraco que se quebre” –
O mais forte faz pilhéria.


Até hoje na história
Sé venceu a minoria:
Todo meio de produção
Servindo a classe vadia.
Mas só os trabalhadores
Representam a maioria.


A burguesia brincando
Dominou o mundo inteiro.
Pra ela quem só trabalha
Deve estar no cativeiro.
- Somos nós a nova classe,
Da velha somos coveiros.

Poesia - Hamilton Faria


A Princesa De Douala E A Nouvelle Liberté

Marylin é a princesa de Douala
Cidade perdida
Entre rostos nobres e os andrajos do mundo
Há nobreza na princesa de Douala
caminhando entre a gente simples
E a colorida África
Das feições mais tristes
Doualla é dor e dor
Ó Deus !
A princesa descobre caminhos
Nas selvas da memória

E a Nouvelle Liberté
Escultura de Joseph Sumegné
Altiva e digna
Sonho de sucatas
Olha por nós
Mostrando que a vida
É fogo inesgotável







Ethnicité, by Christine Poulin

Poesia - Santiago de Novais

“Potato Eaters”, V.V.Gogh - imagem enviada pelo autor

Brisa Verde de Shannon

“Nenhum homem viveu que tivesse suficiente
/Gratidão de crianças e amor de mulher.”
William Butler Yeats

Após a fome, metonímia, e
O plágio diz descarado:
Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma
Diz o que eu diria
Se depois de duas pints
Andasse por aí pelas pontes do Shannon
Do meu coração até ponta do pé escorre sangue
Como se a cabeça fosse Connacht e o pé fosse Leinster
E a catraca peniana ou algo assim Munster todo de mim
Yeats bate a porta, grita, espuma a boca:
Ei Mulata, que vestir para o Sabá?
No meio da sala entra alguém um Wilde da vida, todos irish:
(delicadamente):
”ossinho por ossinho
Assanha
Nas gavetas de pó
Tem ré
Nas gavetas de mim
Tem sol
Onde era pra ser funeral
Música
Onde era pra ser emoção
Mascara
Si infusão com fá
Tantinho por tantinho
Uma operetta.
Tá com pena?
Passa a mão
Na minha,
Xereta.”
Pede mais.
After the starving, metonymic, and
The plagiarism says with no masks:
Though leaves are many, the root is one
Says what I would say
If after two pints
Went I round and round by Shannon bridges
From my heart till my foot ends run off
Blood
As if the head were Connacht and
Foot were Leinster
And the penile gear or something like it
Munster all of me
Yeats knocks the door and shout , foaming at the mouth:
Ei Mulata what have we to dress to the Sabbath?
In the middle of the room come in somebody
Kind of Wilde all of Irish:
(softly)
“little bone by little bone
Excites
From my dusty drawers
Have sun
Where it was to be funeral
Music
Where it was to be emotion
Disguise
& C(sol) infusion with B(fa)
Little by little
An operetta
Are you pitiful?
Touch me touch me
On my
Pussy me.”
Ask for more.

Poesia - Dorival Fontana

Weeper - Anastasios Gionis
Eu e o outro

Hoje acordei mais rejeitado
do que me aceito agora.
Pela janela me vejo despido,
quase sinto inveja, se não
soubesse que aquela figura
tímida, desajeitada...
sou eu de dentro para fora,
inversamente desproporcional
de fora para dentro.
Da prisão da minha janela,
apenas uma fresta de luz atreve-se.
Nada é permitido expor-se,
além da resignação.
Daqui contemplo o meu mundo
sinestésico.
Abro a porta e atravesso o jardim,
árduo percurso de um breve caminho.
Alcanço a rua e meus temores...
fiéis seguidores ao meu encalço.
Sigo em frente, inquieto, indisfarçável;
como se eu não pertencesse a este lugar.
Num olhar inequívoco,
nossos olhos recíprocos
identificam-se...
já não éramos os mesmos,
a casa persiste...
sem portas ou janelas
para nos escondermos.

Poesia - Pedro Du Bois

Time Manager - photo manipulation by Eugene Soloviev

Futuro

Não havia o traço esbranquiçado
rasgando o firmamento, nem a britadeira
e o caminhão misturando cimento e areia:

manualmente transportados
manualmente contados
manualmente colocados
blocos de pedras
superpostos
sobrepostos
erguiam paredes
em pequenos arcos
de telhados

sobre o topo o homem
sonhava traços de fumaça
cortando o firmamento.

Poesia - Marina Alexiou

View from the Artist's Studio (left-hand window), by Caspar David Friedrich
Ilustração enviada pela autora

Escrito nº75

A carta fora esquecida ali pois o sonho se tornara real.
E tudo aquilo que antes parecia de extrema importância se revestiu de solidão e silêncio.
As janelas deixadas a sua própria sorte não temiam mais o tempo.
Paredes não mais necessitavam reparos ou novo colorido.]
E o reflexo no interior da habitação pertencia somente ao espectro dos acontecimentos
A luz se movia juntamente com as nuvens e nenhuma chave antes utilizada,
Poderia jamais continuar dando acesso a esse outro mundo. Pois o lugar e a estadia imaginadas durante longo tempo em sua memória
Eram significativamente maiores do que o céu contemplativo. Visto das imensas arcadas da sua recente antiga morada...
Metade do seu destino estava em franca ascensão, tudo brilhava sob uma distinta ótica. Um distinto ser...
Novos cenários balbuciam o despertar das viagens, marulhos, ansiedades, e expectativas antevistas um dia pelas lentes da imaginação
Agora, no momento da partida inegociável. Enquanto o seu coração recebe o calor da luz, que antes era obnubilada pela incerteza
E os seus olhos vagam pela calmaria,
Um oceano límpido e grandioso como os desejos de sua alma adentra os espaços abertos do seu futuro.

Poesia - Vagner Barbosa

São Francisco de Assis - Andrzej Troc

O Peregrino

Na manhã louçã
A estrada entranhada na serra
Revela o caminhante
Que erra

De onde vem
Quem, estrangeiro
Cisma em estranha terra?

De outro continente
Distante
Do oriente
Que se revela
Na memória
De eras queridas
Anteriores ao tédio
Idas

Caminhar é olvidar

A cidade pendurada no horizonte
Flutua trêmula, muda e nua

Poesia - Edson Bueno de Camargo

The Tower Of Babel, by Andreas Zielenkiewicz

Babel

a linguagem
se veste impossível
à medida
que cada um
tem própria língua

Babel ainda se faz todos os dias
uma torre se erige
                         de dentes e sangue

cingida dos ossos negros da palavra
medra
sobre a superfície branca

Poesia - Carla Andrade

Dog Barking at the Moon, by Joan Miró

Luar de fósforo

O luar amassado revela
ávidos botões
entre os dedos de um casal.
Na ponte laranja
do desejo
entre nódulos
de árvores,
até o dorso da flor
mais murcha
está nu.

O luar amarrotado da
madrugada
mostra fendas,
entre o rio e o mar,
o dia e a noite,
entre o homem e sua mão turista
antes da despedida.

Fendas no corpo da mulher.
Lírios escalados,
no seu vestido encenado
pelo metálico do céu.


Ela é todo chapéu
para as abas do desconhecido.
Ele mariposa quente
em volta de termometros
sem escalas.


Não sabem
que as fendas
engolem
em si a arte
do acidente.

É  que depois
da ponte laranja
há tantos caminhos
entre o dia e a noite
entre o rio e o mar.

Conto - José Geraldo de Barros Martins


Comemoração Para Inglês Ver

I

Joe J. Ocker Junqueira respirou aliviado quando adentrou a sala de embarque do aeroporto de Heathrow, com a chegada das Olimpíadas, Londres, (sua cidade natal) estaria insuportável... cheia de atletas, turistas e repórteres, então decidiu realizar seus sonho: conhecer São Paulo... e mais precisamente estar nesta cidade para a comemoração da Revolução Constitucionalista de 1932...

Joe J. Ocker Junqueira nascera na Inglaterra, filho de brasileiros exilados durante a ditadura,sendo que tanto o avô paterno quanto o avô materno haviam lutado na Revolução Constitucionalista, motivo pelo qual achava esta guerra mais importante do que a Segunda Guerra Mundial... para ele as batalhas de Itararé, Cunha, Garganta do Embaú e Atibaia eram mais importantes que Stalingrado, Midway, El Alamein e Kursk... a única coisa que ele lamentava a este respeito era que ninguém tinha feito um quadro, um filme ou uma música inspirado na Revolução de 32 como Candido Lopez pintara a Guerra do Paraguai ou os Rolling Stones que fizeram Gimmie Shelter criticando a Guerra do Vietnâ... (War, children, it's just a shot away/It's just a shot away).

Joe J. Ocker Junqueira falava português, mas o máximo que se atrevera em terras de lingua portuguesa foi uma estadia em Sintra... agora era diferente, iria enfim conhecer o país de seus antepassados, o estado pelo qual seus avôs pegaram em armas e a cidade que sempre sonhou conhecer e sobre o qual tinha tanto estudado. Era interessante pois ele conhecia a São Paulo através de filmes: O Grande Momento (Roberto Santos), São Paulo S/A (Luis Sérgio Person), “O Bandido da Luz Vermelha” (Rogério Sganzerla) , “Cidade Oculta” (Chico Botelho) e varios filmes de Carlos Reichenbach...

II

Joe J. Ocker Junqueira se hospedou em um grande hotel junto ao Viaduto Tutóia, no Paraíso, pois era perto do obelisco comemorativo a Revolução de 32 que existe no Parque do Ibirapuera, de modo que no dia 9 de Julho ele poderia ir caminhando até o obelisco....

Duas coisas impressionaram Joe J. Ocker Junqueira, a primeira foram as comidas: crescera comendo a comida que seus pais (por sinal exímios cozinheiros) preparavam: coxinhas, empadinhas, cuzcuz paulista, virado, etc... agora ele podia comer outras coxinhas, outras empadinhas e compará-las com as que sempre comera... adorou a empada do restaurante Itamarati (lugar muito frequentado por um de seus avôs), experimentou a famosa coxinha do bar Veloso e os bolinhos de bacalhau de um simpático bar que ficava ao lado de seu hotel...

Outra coisa que o deixou impressionado foi o nome das ruas:

Guaramomis, Tupiniquins, Aicás, Anapurus, Nhambiquaras, Maracatins, Jurupis, Juquis, Iraé, Açocê, Chibarás, Moema... Jamaris, Jurema, Jandira, Jurucê, Aratãs, Iraí, Moaci, Miruna, Imarés, Carinás, Chanés, Pamaris, Maturi, Maicuru, Apamas, Mucajai, Juruti, Ibirapuera, Arapanés, Jauaperi, Inhambu, Ibijaú, Ararapi, Carajuá, Sumaré, Caeté, Campevas, Iperoig, Apiacás, Apinajés, Aimberê, Caiowá, Cajaíba, Piracuama, Caiubi, Tucuna, Cotoxó. Mutuparana, Ambuás,

Para alguém que morava na St. John´s Wood Road, em Westminster, aqueles montes de ruas com nomes indígenas era um deleite... “É uma pena que James Joyce não conhecesse estes nomes, seriam muito interessantes se fossem inseridos no Finnegans Wake”

III

Na manhã de 9 de Julho, Joe J. Ocker Junqueira acordou ansioso, comeu o café da manhã apressadamente e rumou para o Obelisco do Ibirapuera... lá viu uma comemoração linda... pessoas marchando caracterizadas com fardas semelhantes as utilizadas na época, cantando o Hino da Revolução Constitucionalista, enquanto que famílias agitavam várias bandeiras paulistas... no meio de tudo ele viu alguns ex-combatentes... que sabem não teriam lutado ao lado de seus avôs... mas dentres estes personagens se destacava um velhinho, e então ele percebeu no brilho do olhar daquele velhinho revolucionário, a força das pessoas que lutaram, lutam e lutarão por um país melhor...

VI

Na tarde de 9 de julho, Joe J. Ocker Junqueira foi visitar o túmulo de seus avôs, e diante de cada tumba leu em voz alta (com certo sotaque) o poema “A Bandeira das Treze Listas” de Guilherme de Almeida... depois foi até um bar provar mais alguns petiscos e experimentar outras marcas de cerveja brasileira... na mesa do bar ele se lembrou do olhar do velhinho ex-combatente, percebeu que o ancião era de uma geração de pessoas que tinham ideais, que tinham coisas mais interessantes para se preocupar do que ter uma barriga de tanquinho ou se o celular é um smartphone... percebeu que na comemoração que assitira pela manhã, só havia poucos velhinhos, ou seja a geração de seus avôs já estava quase extinta... Joe J. Ocker Junqueira se sentiu como um exilado, um exilado no tempo, um exilado que vivia no meio de uma geração mediocre, uma geração que bebia uísque com energético ouvindo dance, trance e hip-hop... mas percebeu também que não dava para lutar contra isto, mas já que era para viver em uma época injusta e absurda então ele deveria viver em uma cidade igualmente injusta e absurda...então ele refletiu olhou ao redor e percebeu que aquela seria a sua cidade daí por diante...

Crônica - Cesar Cruz

On a Roll, oil on panel - Tracy Wall

Os Perigos do Rolo Invertido

Semana passada recebi a bronca de uma leitora. Dona Adelaide. Ela assinou apenas Adelaide, o “dona” foi por minha conta, supondo que a Adelaide seja uma senhora, já que não é muito comum hoje em dia se encontrar mocinhas com esse nome, pelo menos não aqui em São Paulo, onde as meninas têm preferido se chamar Krislayne, Suélem, Carolayne, Rayenny e por aí vai. Sempre com muitos ipsílons.

Mas como eu ia dizendo, a dona Adelaide leu minha crônica no Jornal do Cambuci e me enviou um email para reclamar das efemeridades que venho escrevendo ultimamente. “Com tanta coisa séria acontecendo no mundo e o senhor só escreve essas besteiras? Francamente!”.

Fiquei pensando a respeito... Poxa, a dona Adelaide tem razão! Com uma crise dessas, as pessoas morrendo de fome na África, se explodindo vivas no Oriente Médio, essa corrupção sem fim aqui no Brasil, o SUS, esse salário que anda pela hora da morte, enfim, e eu desperdiçando este bom espaço escrevendo baboseiras?

Respondi à dona Adelaide prometendo que tratarei de assuntos mais significativos a partir de agora.

E hoje mesmo começo a cumprir a promessa.

Saúde pública, eis meu primeiro grande tema social a ser tratado aqui no nosso jornal!

Começo o artigo com uma pergunta ao cidadão que me lê? Quem está invertendo os rolos de papel higiênico nos nossos banheiros? Sim, porque não é de hoje que tenho observado essa estranha ocorrência no banheiro lá do escritório, fato que já flagrei também lá em casa. Fiz o teste: desinverti o rolo de papel lá no banheiro da firma. Em pouco tempo apareceu invertido novamente. Quem foi? Saí perguntando de mesa em mesa. Ninguém se acusou. Só riram quando perguntei. Estranho.

Como se sabe, um bom e honesto rolo de papel higiênico deve rodar para frente, nunca para trás. Consultando amigos, descobri que a inversão misteriosa dos rolos se trata de algo corriqueiro não só nas firmas como nas casas, o que me faz crer que possa ser uma ação perpetrada por gente infiltrada a mando do Governo ou de facções radicais islâmicas.

E antes que algum leitor se levante para dizer qualquer coisa, alerto: o resultado de se inverter o rolo do papel higiênico pode ser fatal e catastrófico, uma vez que invertido ele inevitavelmente resvalará na parede suja do sanitário (cheia de micróbios e bactérias das gotas de urina e respingos de cocô ali depositados) contaminando o anus, ou os genitais, de um cidadão (ou cidadã) inocente, produzindo uma poderosa infecção que, levada pelas fezes infectadas do novo hospedeiro transmissor, contaminará rios, mares e mananciais, causando uma pandemia que matará milhares, senão milhões de pessoas pelo mundo em questão de dias!

Leitor, verifique e fiscalize, em sua casa e na repartição, você também é responsável. Façamos uma campanha contra o rolo de papel higiênico invertido. Você empresário, instale câmeras em seus banheiros — como eu já fiz lá na empresa. Assim, pegaremos de calças curtas esses terroristas e os levaremos aos tribunais, à corte suprema de Haia, à forca, se preciso for!

(E agora, dona Adelaide, melhorou?)

Junho 2012

Conto - José Miranda Filho

Sunday Morning Northern Italy, by Janet Butler

Encontro de Amigos - Parte 8

De Milão seguimos para Imola para visitar o autódromo, em cujas pistas, nosso herói brasileiro, Airton Senna perdeu a vida. Ficamos impressionados com o local, isso após ter passado por reformas. Imagine, antes, no momento do acidente. Por outro lado, a gratidão foi bem maior do que a tristeza. O povo de Imola, o adora e o venera, como se filho deles fosse. O autódromo atualmente está diferente da época em que Sena corria. Tem mais segurança nas curvas, notadamente aquela que o fulminou.

De Imola partimos em direção a Como. Antes de alcançar a estrada, tivemos um pequeno problema no carro que utilizámos. Começou a vazar água na parte de baixo, o que nos deixou apreensivos pensando tratar-se de algum defeito no radiador. Felizmente, para sorte nossa nada de grave havia acontecido. Apenas um pequeno vazamento da água do ar condicionado, tal como nos dissera um cidadão que encontramos no estacionamento de uma lanchonete no meio do caminho, e que gentilmente nos auxiliou.

Seguimos nossa viagem para conhecer um dos mais belos lugares do norte da Itália e próximo de Milão: Como.

Antes de atingirmos Como passamos por pitorescos vilarejos: Nesso, Chiasso, Cadenabbia, Menaggio e tantos outros, cada um mais lindo e mais histórico do que o outro. O povo alegre, simpático e cordial, dava-nos a aparência de sermos italianos, pelo jeito cordial e amigável que nos tratavam. Em Como, pudemos visualizar o lago e uma visão geral da cidade, vista do morro. O lago de Como é considerado como um dos maiores e mais profundos lagos do mundo. Fizemos uma caminhada rápida pelo centro da cidade, que é por ele banhada de ponta a ponta. Um fenômeno que só a natureza constrói, tal qual acontece no Brasil.

De Como, seguimos, ainda de tardezinha para Bellagio, outra cidade turística também cercada pelo lago, aonde chegamos já noite e fomos diretamente para o hotel. Após uma ligeira refeição à base de peixes, excelente culinária da região, fizemos um, giro ao redor do lago, apreciando as embarcações que iam e vinham de uma a outra margem, sempre lotada de turistas, e carregando mercadorias.

No dia seguinte demos uma volta de carro pelo centro da cidade, já que a pé é um tanto difícil devido às ladeiras e encostas da serra. É impressionante a riqueza arquitetônica e histórica dessas cidades do norte da Itália. Bellagio é uma pequena cidade serrana. Suas belezas e serviços de Ferry-Boat atraem turistas de todos os rincões do país e do exterior. A cidade é cercada por montanhas que circundam o Lago Di Como. Suas estradas são estreitas e perigosas, cheias de curvas, ao redor da montanha. Mas é esta a atração turística da cidade.

De Ballagio, rumamos para Bergamo, passando por Leco e atravessando dois túneis de aproximadamente dois quilômetros de comprimento cada um.

Em Bergamo há duas cidades: A alta, ou centro histórico, com edifícios e castelos medievais, e a baixa, ou cidade nova e moderna. Na cidade alta, após quase dez minutos de subida, alcançamos o topo da montanha, onde visitamos castelos, palácios e edifícios medievais, de construção moura, como o Castelo de São Virgilio e tantos outros monumentos. Na parte alta encontram-se os monumentos “Porta de Santo Agostinho”, Piazza Vecchia, Capella Coleoni, Basílica de Santa Maria Magiore e inúmeros outros de estilo neoclássico.

Passamos a tarde inteira em Bergamo, já que o nosso vôo com destino a Dublin estava marcado para as 21:30 horas e saia do aeroporto Orio Al Serio, desta cidade. Meu amigo Edward deixou-nos no aeroporto, pois teve que encher o tanque do carro para devolvê-lo à locadora.

O aeroporto estava repleto de passageiros, todos sendo revistados antes do embarque, provocando uma enorme fila e uma tremenda confusão. Os “carabinieri” estavam a postos. Não ficamos sabendo o motivo, já que alguns italianos nos disseram não ser normal este tipo de revisão. Talvez por imposição ou ordem do governo americano que julga serem todos os cidadãos não americanos terroristas, segundo nos afirmaram. Só que eles desconhecem ou querem propositadamente ignorar, que são eles os verdadeiros responsáveis pela proliferação de terroristas através do mundo, quando supriram Bin Laden de dólares e armamentos, incentivando-o a lutar contra os Russos, no Afeganistão.

Finalmente, no horário previsto, embarcamos para Dublin, onde chegamos às 22:30, hora local. Despedimo-nos no aeroporto de Dublin e cada um seguiu o seu destino. Edward e Therese foram para sua residência e Eva e eu para o hotel.

Tradução - Eduardo Miranda

Homesick for Innisfree, by Mandy O'Brien
A Ilha do Lago de Innisfree
de William Butler Yeats

Me levantarei agora, e para Innisfree partirei,
Lá construirei uma pequena cabana de sapê e barro;
Com alguns pés de feijão e um pouco de mel viverei,
Lá, sozinho, na clareira do meu apiário.

E lá encontrarei alguma paz, lenta e caudalosa,
Escorrendo pela manhã, ao som de grilos cricrilando;
Lá onde a noite é um vislumbre, a manhã caprichosa,
E a tarde coberta de pintassilgos voando.

Me levantarei agora, pois nesta vereda
Só o que ouço é o som do lago e sua imensidão;
E enquanto estiver preso nesta selva de pedra,
Ouvirei-o no fundo do meu coração.


The Lake Isle Of Innisfree

I will arise and go now, and go to Innisfree,
And a small cabin build there, of clay and wattles made;
Nine bean rows will I have there, a hive for the honeybee,
And live alone in the bee-loud glade.

And I shall have some peace there, for peace comes dropping slow,
Dropping from the veils of the morning to where the cricket sings;
There midnight's all a-glimmer, and noon a purple glow,
And evening full of the linnet's wings.

I will arise and go now, for always night and day
I hear lake water lapping with low sounds by the shore;
While I stand on the roadway, or on the pavements gray,
I hear it in the deep heart's core.

Foreign Word - Torquato Neto

Marginalia
Ilustração de Vitaly S Alexius

II

translated by Eduardo Miranda
I, Brazilian, confess
My fault, my sin
My desperate dream
My top-secret file
My afflictedness

I, Brazilian, confess
My fault, my exile
The everyday demagogy
Tropical melancholy
Dark loneliness

Here is the end of the world
Here is the end of the world
Here is the end of the world

Here, the Third World
Asks the blessing, pray the psalm
Among waterfalls, palm
Mango and banana trees
By the linnet's singing

Here, my panic and glory
Here, my salvation and doom
I well know my history
It starts at the full moon
And it ends before the ending

Here is the end of the world
Here is the end of the world
Here is the end of the world

My land has palm trees
Where the wind spells the breath
of hunger, fear and more
Especially death
Olele, Lala

The bomb explodes outside
And now, what I'll fear?
Oh, oui, we have bananas
Even to give and sell
Olele, Lala

Here is the end of the world
Here is the end of the world
Here is the end of the world

Marginália II

Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu pecado
Meu sonho desesperado
Meu bem guardado segredo
Minha aflição

Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu degredo
Pão seco de cada dia
Tropical melancolia
Negra solidão

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Aqui, o Terceiro Mundo
Pede a bênção e vai dormir
Entre cascatas, palmeiras
Araçás e bananeiras
Ao canto da juriti

Aqui, meu pânico e glória
Aqui, meu laço e cadeia
Conheço bem minha história
Começa na lua cheia
E termina antes do fim

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Minha terra tem palmeiras
Onde sopra o vento forte
Da fome, do medo e muito
Principalmente da morte
Olelê, lalá

A bomba explode lá fora
E agora, o que vou temer?
Oh, yes, nós temos banana
até mesmo pra dar e vender
Olelê, lalá

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Releitura - Gonçalves Dias

Cartão Postal - Tarsila do Amaral
Canção do Exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Gonçalves Dias escreveu a Canção do Exílio em 1843, em Coimbra, Portugal, e faz parte dos poemas de "Primeiros Cantos", publicado em 1846 no Rio de Janeiro pela

Laemmert.

Ilustração - José Geraldo de Barros Martins

Ilustração de José Geraldo de Barros Martins

Ilustração - Scott Scheidly

Scott Scheidly

Scott Scheidly é artista plástico formado pelo Instituto de Arte de Pittsburgh. Nasceu em Ohio mas vive na Flórida.

Ensaio - Ronald Augusto

Charles Baudelaire, L’Amour du mensonge - acrylic on canvas
by Lu Xinjian
Poema em Foco

Nascimento da escrita; nascimento do poema. Pesquisa semântica a partir da rasura, a imprecisão da escrita de punho. Corolário: deriva semântica. Leitor de lápis em punho que rubrica à margem do texto. A transposição do fônico para o háptico. Imagem que se materializa pela palavra. Pontos átonos, fortes e fracos. Un coup de dedos. O texto artístico não deixa transparecer em sua economia genésica toda a gama de vacilações, de lituras, ou até mesmo, de escarificações envolvidas no desentranhamento do neográfico no interior das convenções do discurso literário. Dado por embalsamado — como escreve João Cabral de Melo Neto num poema —, isto é, quando acaba num livro, aquilo que era febril e fabril resta apagado de uma vez por todas, vira música calada. O projeto Poema em foco nos lança sobre a superfície da materialidade textual onde deparamos esse esforço heurístico e quase que físico do escritor no corpo a corpo com a linguagem, na tentativa de reencenar a pulsão tanto indicial quanto icônica do verbal; essa “estranha esgrima”, metáfora escolhida por Baudelaire para representar o artesanato, a oficina irritada e irritante do escritor tatuando a folha incólume: Je vais m’exercer seul à ma fatasque escrime. Plongée. O gesto fotográfico simula o industrioso e ocioso trabalho de escrita de cada autor no encalço do melhor efeito de fundo-forma. Rosácea de pontos de vista. Fotogramas em close reading na superfície abrasiva dos anagramas. As fotografias não mostram mãos escrevendo. Mostram mãos pensando.

Lançamento


Cheiro De Humanidade

Apresentação de Ruy Espinheira Filho

Homo sum: humani nihil a me alienum puto: “Sou homem, não julgo alheio a mim nada do que é humano.” Este célebre verso de Terêncio poderia figurar como epígrafe de toda a obra de Roniwalter Jatobá, autor sempre voltado para as questões da condição humana, sobretudo em sua tragédia e precariedade. Cheiro de chocolate, onde encontramos textos de temática variada, está igualmente impregnado dessa sensibilidade, mesmo nas páginas e reflexões de maior lirismo.

Mineiro de Campanário, tendo sido criado na Bahia, em Campo Formoso, Roniwalter migrou para São Paulo ainda muito jovem, em busca de melhores oportunidades e já com o objetivo ─ como revela com firmeza em um dos contos que falam da infância ─ de se tornar escritor. Enfrentou inúmeros ofícios, do trabalho braçal ao jornalismo, e realizou o sonho maior: fez-se escritor. E escritor que pôs em sua obra a vida atribulada que viveu e testemunhou, às vezes com crueza e indignação, mas sem esquecer a ternura e a esperança.

Neste Cheiro de chocolate o leitor encontrará lugares e momentos de um mundo que ele reconhecerá bem, embora tenha diferentes experiências, porque o autor transmite com rara mestria o que, afinal, mutatis mutandis, tem a ver com a existência de todos nós: a luta pela sobrevivência, o amor, o desamor, a alegria das conquistas, as dores das perdas, a indiferença, a solidariedade, a solidão, a força de sempre ir adiante.

Um professor ou crítico diria ser este um livro de contos e crônicas. Eu, que não gosto muito de tais classificações, prefiro considerá-lo um volume de histórias, algumas das quais ─ como em “Aves de arribação” ─ mais se assemelhando a romances sucintos, tal a amplitude e densidade de seu conteúdo.

Aliás, densidade e amplitude são características presentes em todos os textos, cuja fabulação contém, além de destinos migrantes, relatos de amor, lembranças da infância, momentos líricos (como no texto-título e em “A flor do meu bairro”), dramas de gente simples na metrópole (várias vezes, como em “Desencontros”, “Caminhos nublados”, “O soldado Arlindo”, “A filha do príncipe”), ilusão, desilusão, paixões infantis (“Holly, I love you”) e maduras (“Depois da tempestade”). Enfim, vida em toda a sua intensidade.

É por isso, porque faz uma literatura intensa de vida, que Roniwalter Jatobá se afirma como um dos principais escritores brasileiros contemporâneos. O que ele escreve é essencialmente literatura, ou seja, aquilo que, segundo Sartre, o mundo poderia muito bem dispensar, mas que melhor faria se dispensasse o próprio homem. De fato, nunca houve um tempo de nossa espécie sem literatura, a qual sem dúvida começou com os sentimentos e pensamentos mais primitivos, chegou à palavra e, finalmente, à escrita. Ou seja: está intimamente ligada à nossa natureza.

A literatura nasce da vida e ilumina a vida. É o que sentimos em livros como Cheiro de chocolate. Podemos visitar suas páginas como crianças, jovens, adultos, velhos: elas falam a todos nós. Elas nos pertencem como pertencemos a elas. Eu diria que a arte de Roniwalter Jatobá se mostra por inteiro neste volume aparentemente despretensioso e que é, na verdade, tecido com as fontes profundas que trazem à superfície fria do cotidiano o que nos faz mais dignos da vida e que se chama calor humano.